Por Adriana Biazoli
Diante do espelho, no salão de beleza de Cláudia, em Barueri, eu estava sentada. Entreguei-me aos seus cuidados para ficar mais bonita.
Era um momento de pausa e entrega total aos cuidados dela, disposta a revelar a beleza que em mim existia e que naquele momento, somente ela via. Como jornalista, a curiosidade me era inata; enchi o ambiente de perguntas, oferecendo-lhe meu tempo e a escuta mais atenta.
Cláudia é reservada, não é de se expor com facilidade. Contudo, naquele espaço de cumplicidade, a confiança se estabeleceu de forma natural. A conversa fluiu, e ela, com uma sensibilidade discreta, me deu os elementos necessários para que eu pudesse, ainda que em poucas linhas, narrar um resumo de sua trajetória.

Algumas vidas nascem como um canto, ainda que tímido, ainda que rouco. E há vidas que atravessam desertos inteiros até descobrir que a própria voz é o oásis. A trajetória de Claudia Calango é assim: um fio de resistência que se recusa a romper, mesmo quando o mundo tenta puxar para o lado contrário.
Claudia nasceu no Nordeste do Brasil, onde a infância foi singela, dura e marcada pela pobreza. Mas havia amor, amor suficiente para aquecer a casa inteira quando a terra seca não oferecia nada. Dos pais, recebeu a herança mais valiosa: honestidade e dignidade no trabalho, ainda que o trabalho, desde cedo, exigisse dela o que nenhuma criança deveria entregar.
Entre a seca, o cansaço e a escassez, uma menina se moldava silenciosamente: forte, guerreira, instintivamente sensível. Foi ali, no chão rachado do sertão, que nasceu a artista, aquela que já cantava antes de entender que cantar era destino.
Na adolescência, o mundo parecia um labirinto confuso. O desejo maior era simples: autonomia. Ser dona do próprio caminho. Aos 14 anos, durante uma apresentação na escola, a música se revelou como um tipo de abrigo. E, ao lado de Valcelon, amigo, parceiro de canções, um jovem autista que acreditava nela, Claudia descobriu que a arte podia ser cumplicidade, não apenas sonho.
Aos 17 anos, veio a decisão que ninguém toma por vontade: deixar o lar, não por desejo, mas por necessidade. A seca expulsava vidas, e Claudia se tornou parte daquelas que partiam com a coragem nas mãos e apenas 22 reais no bolso. O caminho até São Paulo foi arriscado, cheio de incertezas e encontros perigosos. Mesmo assim, nos desvãos da estrada, Deus estendia proteção, dessas que não se explica, só se sente.
Chegar à casa da irmã foi alívio: um teto, uma referência, um abraço conhecido. O primeiro emprego, como doméstica, durou pouco, mas abriu as primeiras portas. O curso de cabeleireira que fizera no Nordeste tornou-se a ferramenta de reinvenção. Observando, aprendendo, testando, errando e acertando, ela encontrou uma nova forma de seguir.
E seguiu.

Entre tesouras, vozes, maternidade e canções, Claudia se tornou muitas: cabeleireira, artista, mulher migrante, mãe de quatro. A vida, às vezes instável, a fez pensar em desistir. Mas os filhos, suas maiores aprendizagens, a sustentaram nos dias mais cansados. Foram eles que a lembraram: recomeçar, quando necessário, é verbo exigido e possível.
A música, para Claudia, é espelho. É resgate. É lugar onde cabem sua solidão, suas nostalgias, seus amores mal correspondidos e a força que nunca a abandonou. A primeira canção pública, Deserto Solidão, anunciava muito mais que uma artista: anunciava uma sobrevivente.
Porque, antes da luz, houve sombras profundas. A depressão veio como reflexo de traumas antigos, abusos que deixaram marcas duradouras. Mas a obstinação, essa chama teimosa que a acompanha desde menina, encontrou na fé e na arte caminhos de cura.
Hoje, Claudia Calango é mulher inteira: marcada, sim, mas jamais derrotada. Recomeça quantas vezes for preciso, aprende sempre, levanta sempre, faz da própria história um canto que ecoa longe.
Como artista, sonha em ver suas músicas reconhecidas. Como mulher migrante, sabe que reconstrução não é evento; é processo. E deseja deixar como legado a certeza de que a honestidade é o maior patrimônio que alguém pode carregar.
Se pudesse abraçar a Claudia criança, diria para seguir olhando para frente. Para confiar que, mesmo quando o solo é árido, a vida insiste em florescer. E às mulheres que também caminham longe de casa, deixa uma mensagem que é quase oração:
“Perseverem. Tudo será difícil. Mas vai.”
Sai de lá, mais bonita certamente, impactada, grata com a confiança da profissional que tanto admiro por dividir comigo um pouco de sua história.

Instagram: @claudiacalango
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Redação Nossa Oeste – Jornalismo com propósito
Adriana Biazoli – é Jornalista, radialista e contadora de história
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