Crianças autistas em risco: Brasil ainda não tem protocolo seguro para lidar com crises nas escolas

Coluna Viver Bem

Por Adriana Biazoli

O Brasil tem hoje cerca de 900 mil crianças autistas matriculadas em salas comuns de escolas públicas e particulares. A inclusão, defendida por lei e por princípios de humanidade, ainda esbarra em uma dura e silenciosa realidade: a ausência de protocolos seguros, capacitação adequada e estrutura emocional para lidar com crises de agressividade ou desregulação de crianças autistas.

Muito se fala sobre autismo. Os termos técnicos se espalham: Nível 1, 2, 3 de suporte; não verbal; seletividade alimentar; estereotipias… Mas poucos compreendem, de fato, o que significa viver essa realidade,  e mais grave ainda: poucos estão preparados para acolhê-la. Enquanto isso, histórias de dor se acumulam.

Crianças amarradas, pais em desespero

Recentemente, ganhou repercussão o caso de uma escola particular onde uma criança autista foi encontrada amarrada em uma cadeira. A denúncia partiu de uma funcionária, que agiu de forma anônima por medo de represálias. Não era a primeira vez. E, infelizmente, não era a única criança.

Nas redes sociais, multiplicam-se os relatos de abusos: crianças contidas à força por adultos, agredidas, silenciadas em cantos de sala de aula. Crianças que, por se moverem demais, por não entenderem comandos, ou por chorarem em excesso, são tratadas como problema, como ameaça, como incômodo.

Há pais e mães que não têm como pagar uma escola especializada. Muitos sequer têm acesso a um plano de saúde. Confiam na escola pública, esperam humanidade, lutam para manter os filhos em terapias mínimas, muitas vezes custeadas com esforço coletivo da família.

A dor que não tem palavras

No lar de uma criança autista, não há facilidades, há adequações. Passeios são cancelados, noites são longas e silenciosas, banhos e refeições viram maratonas emocionais. E o mais difícil: quando a criança não fala, o medo se instala com ainda mais força.

Qualquer sinal diferente no comportamento da criança pode ser um pedido de ajuda ou um alerta de que algo muito sério aconteceu. E quando ela não pode contar, o corpo fala.

Quem convive com uma criança autista sabe o quanto pequenos sinais importam: o olhar que foge, o balançar do corpo, o bater da cabeça, a mordida no braço. Não é birra. Não é malcriação. É dor. É desregulação. É desespero.

Quando o preconceito vem de cima

Em meio a esse cenário, um áudio vazado de um secretário de educação de um município paulista revelou mais uma camada de crueldade: o desprezo. Em sua fala, ele afirma que mães largam os filhos nas escolas “para se livrar deles”. Uma declaração que fere, revolta e escancara a falta de preparo — não só técnico, mas também afetivo e humano.

É preciso dizer: essas mães lutam. Lutam para pagar as contas, para acompanhar terapias, para manter a saúde emocional e física. Lutam para continuar acreditando. E também merecem descansar. Merecem, sim, sentar e olhar para o nada por alguns minutos, sem culpa.

O que falta é escuta. É política pública. É empatia.

Cada vez que uma mãe ou pai entrega seu filho na escola ou na terapia, entrega um tesouro. E espera que ele seja tratado com dignidade. Mas, por que essas coisas acontecem? Por que tantas crianças autistas continuam sendo maltratadas?

Porque o autismo não tem rosto. Porque é invisível aos olhos despreparados. Porque não existe um protocolo claro e nacional. Porque ainda há escolas, professores, terapeutas que não entendem — e muitos que não querem entender.

A criança autista sente o mundo com mais intensidade. Escuta mais alto, vê mais cores, percebe o ambiente com muito mais sensibilidade. Quando o mundo é agressivo, ela se desregula. E se não há preparo, a resposta costuma ser ainda mais agressiva.

Mas há esperança. E ela veste jaleco, segura lápis ou canta canções de acolhimento

Nem tudo é dor. Há muitos profissionais; médicos, terapeutas, professores  que fazem diferente. Que se dedicam de corpo e alma a entender o universo autista. Que choram junto com os pais nas dificuldades e comemoram com alegria cada palavra nova, cada conquista, cada sorriso espontâneo.

Existem sim escolas que acolhem, terapeutas que respeitam, médicos que escutam com o coração. Esses profissionais são fundamentais — são faróis em dias escuros para milhares de famílias. E precisam ser valorizados, multiplicados, fortalecidos.

Uma luta por justiça, respeito e futuro

É urgente que o Brasil pare de tratar a inclusão como discurso bonito. É preciso ação. Formação. Protocolos. Acolhimento. E justiça. Não se pode mais tolerar que crianças sejam amarradas. Que mães sejam desacreditadas. Que terapeutas despreparados atuem sem supervisão. Que diretores silenciem denúncias.

O autismo não é castigo. Não é uma tragédia. É uma forma diferente de ser e sentir o mundo. E merece respeito. E junto dos bons profissionais e das famílias que não desistem, há esperança de um futuro mais humano, mais seguro e mais justo.

Adriana Biazoli

Sobre a autora:
Adriana Biazoli é jornalista, escritora, contadora de histórias e apaixonada pela arte de comunicar. Com sensibilidade e escuta atenta, transforma encontros e vivências em narrativas que tocam o coração. Avó de uma criança autista, escreve para informar, acolher e inspirar.
Instagram: @adriansabiazoli
Email: biazoliadriana@gmail.com

Foto capa:  Adriana Biazoli / Direitos Autoral 

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