Dia do Trabalho: Do lado de cá da janela

Coluna

Crônica – Fatos do Cotidiano

Por Adriana Biazoli – 01/05/2025 – 12h40

Da janela da cozinha, no coração de um bairro periférico, observei durante toda esta semana um homem trabalhando. É pedreiro, magro, de cabelos grisalhos e gestos lentos. Fuma com frequência. Às vezes para e simplesmente olha para o nada, como se procurasse ar num mundo que o sufoca. Tem o semblante de quem carrega mais do que cimento: talvez a dor, a exaustão, a falta de amparo.

Me pergunto se está doente, se se alimentou, se tem alguém que o espera em casa. Parece um idoso, mas talvez seja só o peso da vida adiantando o tempo no corpo. Tive vontade de oferecer um café, um prato de comida, puxar conversa… Mas o medo de parecer invasiva me calou. Não quis que ele pensasse que eu o observava por curiosidade, quando na verdade era por compaixão.

Hoje é 1º de maio. Dia do trabalhador. E lá estava ele, outra vez. No mesmo ritmo arrastado, mas dessa vez acompanhado. Trazia uma ajudante. Uma menina. Criança ainda — talvez dez, onze anos. Pequena demais para o peso que carregava nas mãos e, talvez, no coração.

Ela recolhia entulho, ajeitava as sobras da obra. Também parava, olhava para o nada… E quando isso acontecia, não era repreendida. Apenas voltava a sua pequena labuta.

No Dia do Trabalhador, penso neles — os que trabalham sem descanso, sem férias, sem salário fixo, sem direitos. Os que atuam em silêncio, à margem da lei, da saúde, da infância. Penso em quantas vezes o corpo falha, e mesmo assim é forçado a seguir.

Alguém poderia dizer: “E o Conselho Tutelar?”
Mas quem conhece a urgência das necessidades daquele homem? Quem somos nós para julgar? Lembro das vezes em que eu mesma trabalhei doente, com febre, com dores no corpo e na alma, recusando internação porque não havia quem cuidasse dos meus filhos pequenos.

Hoje, no Dia do Trabalhador, minha reflexão é feita com olhos marejados. Com respeito. Com compaixão. Nem tudo é como gostaríamos. Nem sempre é possível parar. E ainda assim, seguimos. Trabalhamos. Resistimos.

Sobre a autora:

Adriana Biazoli

Adriana Biazoli é jornalista, escritora, contadora de histórias e apaixonada pela arte de comunicar. Já atuou como radialista, apresentadora de TV e mestra de cerimônias, mas é entre crianças, festas e histórias que encontra sua verdadeira paixão. Com olhar sensível e escuta atenta, transforma encontros do cotidiano em narrativas que tocam o coração. Seu propósito é ensinar pessoas a se comunicar bem — com palavras, com presença e com afeto.

Instagram: adriansabiazoli

Email: biazoliadriana@gmail.com

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