“Nunca pensei que ela, a primeira-dama Sônia Furlan, viesse realmente me procurar…”
Um pó fino invade tudo: espaços, lembranças, troféus, livros, álbuns e porta-retratos. Entra nos poros, impregna-se no cabelo e na roupa. É neste lugar, onde tudo acontece e nada se perde, que encontramos nossa entrevistada.
Fui recebida para um café da tarde e provei o saboroso requeijão que ela mesma fez. Humilde e cheia de sabedoria, Jordânia Pereira da Silva é bem conhecida, digamos que famosa. Sua história já foi destaque em catálogos, revistas e em inúmeras entrevistas na TV. Falante, com um olhar sempre brilhante e um sorriso que persiste mesmo ao narrar momentos difíceis de sua vida.
“A vida faz a gente aprender e desenvolver habilidades”
Jordânia, 55 anos, é idealizadora e fundadora da Marcenaria Cooperativa Unidos pela Força no Vale do Sol, em Barueri.
Conheci essa baiana de Barra do Rocha em 2010, quando eu apresentava um programa de variedade na TV Jandira. Era uma produção independente, mas eu fazia questão de dar visibilidade a inúmeras ações voltadas para o artesanato e o meio ambiente. Foi assim que tomei conhecimento da cooperativa. Agora, queria saber mais sobre Jordânia: sua infância, suas dificuldades e suas conquistas.
Infância e Primeiros Desafios
Jornalista: Jordânia, me conta como foi sua infância. Tinha irmãos? Como eram seus pais?
Jordânia: Sou a segunda filha de oito. Meu pai, Jardelino José da Silva, e minha mãe, Aurenita José da Silva, eram simples, trabalhavam na roça, no sul da Bahia. Meus irmãos: dois homens e seis mulheres. Mas fiquei pouco tempo com minha família. Morei com minha tia na cidade até quase os 8 anos, pois tinha um problema de saúde e precisava estar perto de atendimento médico. Meu pai, mesmo sem estudo, fazia questão que os filhos estudassem.
Jornalista: Qual era seu problema de saúde?
Jordânia: Nunca soube direito, mas meu coração é fraco. Tomo remédios desde sempre. Minhas gestações foram todas de risco, mas tive quatro filhos e já tenho cinco netos.
Jornalista: Voltou a morar com seus pais?
Jordânia: Sim, mas me sentia desvinculada. Aos 11 anos, saí da escola para trabalhar como babá em Salvador, longe dos meus pais. Dormia no emprego e, nas folgas, ia para a casa de parentes.
Trabalho e Chegada a São Paulo
Jornalista: Como foram suas patroas? E sua vinda para São Paulo?
Jordânia: Tive sorte, minhas patroas eram boas. Aos 15 anos, engravidei da minha filha, Ana Kelly. Aos 22, vim para São Paulo com ela. Minha tia pagou minha passagem. No dia seguinte, comecei a trabalhar como ajudante de pedreiro com meu tio. Depois, fui babá em Alphaville. Com esse trabalho, aluguei um lugar para morar com minha filha.
Jornalista: Como seguiu sua vida profissional?
Jordânia: Aos 25 anos, tive outro filho. Trabalhei numa fábrica de edredons, mas a empresa pegou fogo e fui demitida. Casei com o pai dos meus filhos, mas ele tinha problemas com bebida. Para sustentar minha família, lavava roupa para fora e arrecadava alimentos para doar. Fiz isso por dez anos, até adoecer e ficar com o braço imobilizado.
Nascimento da Cooperativa
Jornalista: Como nasceu a cooperativa?
Jordânia: Sem poder trabalhar, notei paletes sendo queimados. Peguei um e comecei a transformar em móveis. Trabalhava no quintal de casa, mas chovia e alagava. Uma vizinha cedeu um terreno. Ficamos lá cinco anos, até ela precisar de volta. Em 2004, pensei em desistir.
Jornalista: Como conheceu a primeira-dama Sônia Furlan?
Jordânia: Um dia, desabafei no posto de saúde sobre a falta de apoio. Um homem que ouviu me disse que a dona Sônia ajudava projetos. Duvidei, mas decidi ir ao escritório dela. Duas semanas depois, ela apareceu na minha casa. Conversamos e, com apoio da Fundação e de uma ONG, nossa cooperativa começou a crescer.
Hoje, produzimos cerca de 900 peças por mês e empregamos 12 pessoas.
Resiliência e Futuro
Jornalista: Pensou em desistir?
Jordânia: Várias vezes. Não acreditavam que eu, com a 4ª série, conseguiria manter uma cooperativa. Durante cursos de aprimoramento, ficamos até dez meses sem renda. Eu passava roupa para fora e vendia no Ceasa para sobreviver.
Jornalista: Foi discriminada?
Jordânia: Sim, por ser pobre, mãe solteira, analfabeta e trabalhar em marcenaria. Mas nunca me importei. Se você se preocupa com o que os outros pensam, deixa de viver.
Jornalista: O que espera do futuro?
Jordânia: Quero meu diploma de Assistência Social para ajudar mulheres a se empoderarem e inspirarem suas filhas. Fazer o que gosta é essencial para ser feliz.
Jornalista: Olhando para trás, o que sente?
Jordânia: Sinto que sou milionária. Tenho meus filhos, meus netos, concluí os estudos e até uma faculdade. A gente nunca para de sonhar!
“Hoje sou assistente social, sou casada com Geraldo e tenho seis netos. O mais velho tem 12 anos e o mais novo, um ano. Estou nas redes sociais compartilhando meu dia a dia na reciclagem de madeira de pallets. Quero trabalhar no Instituto Ambiental e na geração de renda nas comunidades. A você, Adriana, minha admiração e gratidão.”
A conversa prossegue. Não dá vontade de ir embora. Jordânia tem muito a ensinar. Seu sorriso mostra que a vida pode ser leve. Talvez seja por isso que seu coração precisa de tantos remédios: ele tem que dar conta de tanta grandeza.
https://www.youtube.com/watch?v=Ks1PKyWKjEg
Texto: Adriana Biazoli
Jordânia é uma referência para todos(as) nós que a conhecemos.