Por: Adriana Biazoli
“Tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas.”
O Brasil está debruçado sobre uma pauta urgente e delicada: a ludopatia, ou seja, o vício em jogos de azar. O termo, ainda pouco conhecido fora dos círculos médicos e psicológicos, ganhou as manchetes com o avanço da CPI das Apostas Esportivas, instaurada para investigar a influência de plataformas digitais — e especialmente de influenciadores — na promoção desenfreada de jogos que podem levar ao adoecimento mental, endividamento e até à destruição de vidas.
A Comissão Parlamentar de Inquérito, em curso no Congresso Nacional, tem chamado a atenção por reunir depoimentos de influenciadores digitais com milhões de seguidores, muitos deles jovens e vulneráveis. As perguntas giram em torno de contratos publicitários com casas de apostas, falta de transparência nos lucros e, sobretudo, a banalização de um vício que atinge milhares de brasileiros.
Quando o jogo deixa de ser diversão
A ludopatia é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno mental. Trata-se de uma compulsão, marcada por tentativas frustradas de parar de jogar, prejuízos financeiros graves, mentiras recorrentes e desgaste nas relações pessoais e familiares.
Dados recentes apontam que cerca de 2% da população brasileira apresenta comportamento de jogo problemático — número que pode ser ainda maior devido à subnotificação e ao preconceito que cerca a saúde mental.
Com a popularização das apostas online e dos jogos via aplicativos, o acesso ficou fácil demais. E quando a promessa de dinheiro rápido se mistura à linguagem envolvente dos criadores de conteúdo, a linha entre entretenimento e armadilha se apaga.
Influenciadores na mira
Nos últimos dias, nomes conhecidos do universo digital foram convocados a prestar esclarecimentos na CPI. São streamers, youtubers e até ex-jogadores de futebol que promovem sites de apostas com bônus, códigos promocionais e uma rotina de ganhos pouco realista.
A presidente da Comissão afirmou que a intenção não é criminalizar os influenciadores, mas entender até que ponto existe responsabilidade compartilhada quando jovens são induzidos a apostar, perder dinheiro e desenvolver dependência.
Cativar é também influenciar
Como escreveu Antoine de Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe,
“Tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas.”
Na era digital, essa frase ressurge com um novo significado. Hoje, tu te tornas também responsável por tudo aquilo que influencias — porque, antes de influenciar, cativou.
A relação entre influenciadores e seguidores não é apenas comercial ou numérica. É construída na base da confiança, da identificação e da proximidade. Quando alguém recomenda ou normaliza o uso de plataformas de aposta, mesmo sem intenção direta, pode estar plantando a semente de um vício que corrói em silêncio.
A responsabilidade de quem comunica não está apenas no conteúdo que entrega, mas na consequência que ele pode gerar na vida de quem o consome.
Silêncio, vergonha e solidão
Por trás das telas, muitos jogadores compulsivos enfrentam crises silenciosas. É comum que o vício se desenvolva sem que amigos e familiares percebam. A vergonha e o medo de julgamento mantêm o problema escondido até que os danos se tornam irreversíveis.
Psicólogos e terapeutas têm alertado para o crescimento dessa demanda nos consultórios e cobram políticas públicas de prevenção, além de campanhas educativas sobre os riscos do jogo descontrolado.
Um debate que precisa sair do digital
A CPI acende um holofote importante sobre os perigos da ludopatia e a responsabilidade de quem lucra com esse mercado. O momento é de escuta, de educação e de enfrentamento. Afinal, não se trata apenas de apostas, mas de vidas em risco.
Mais do que buscar culpados, a sociedade precisa olhar para esse vício com a mesma seriedade com que encara outras formas de dependência. Isso inclui apoio psicológico gratuito, regulamentação mais rígida e principalmente conscientização sobre os limites entre diversão e doença.
Sobre a Autora

Adriana Biazoli é jornalista, escritora, contadora de histórias e apaixonada pela arte de comunicar. Já atuou como radialista, apresentadora de TV e mestra de cerimônias, mas é entre crianças, festas e histórias que encontra sua verdadeira paixão. Com olhar sensível e escuta atenta, transforma encontros do cotidiano em narrativas que tocam o coração. Seu propósito é ensinar pessoas a se comunicar bem — com palavras, com presença e com afeto.
Instagram: @adriansabiazoli
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