O amargo sabor da história: quando mulheres que faziam cerveja viraram bruxas

Mulher Coluna

Antes das grandes fábricas, dos rótulos premiados e dos bares lotados de risadas, havia mulheres. Mulheres que mexiam caldeirões não de feitiços, mas de cevada, lúpulo e amor. Eram mães, esposas, vizinhas — conhecedoras dos ciclos da terra, das ervas e do tempo certo de ferver. Elas eram chamadas de alewives, as antigas cervejeiras.

Durante a Idade Média, a produção de cerveja era uma tarefa essencialmente feminina. Era em casa que se fermentava o pão líquido que alimentava famílias e comunidades. E era com seus chapéus pontudos — não de bruxaria, mas de visibilidade nos mercados — que elas anunciavam seu ofício.

Mas o saber feminino, quando cresce demais, incomoda.

Aos poucos, os caldeirões cheios de malte passaram a ser vistos com desconfiança. Os gatos que protegiam os grãos viraram “companheiros demoníacos”. E as ervas que davam sabor à bebida foram rotuladas como ingredientes de poções perigosas.

A transformação da imagem da alewife em bruxa não foi coincidência. Quando os homens — especialmente monges e comerciantes — perceberam o potencial lucrativo da cerveja, criaram narrativas para desacreditar as mulheres que a produziam. Em tempos de caça às bruxas, bastava uma denúncia, um boato, um olhar enviesado. E o que antes era sabedoria virou crime. O que era tradição virou heresia.

O chapéu pontudo, o caldeirão, o gato: símbolos que hoje ilustram fantasias de Halloween, um dia já representaram mulheres reais apagadas da história.

Hoje, quando brindamos com uma cerveja gelada, poucos sabem que essa bebida carrega nas bolhas a memória amarga de mulheres silenciadas. Mas suas histórias resistem. E nós também resistimos — contando, resgatando, narrando com ternura o que tentaram enterrar com medo e fogo.

Porque contar histórias também é um ato de justiça.

Adriana Biazoli

Sobre a autora:

Adriana Biazoli é jornalista, escritora, contadora de histórias e apaixonada pela arte de comunicar. Já atuou como radialista, apresentadora de TV e mestra de cerimônias, mas é entre crianças, festas e histórias que encontra sua verdadeira paixão. Com olhar sensível e escuta atenta, transforma encontros do cotidiano em narrativas que tocam o coração. Seu propósito é ensinar pessoas a se comunicar bem — com palavras, com presença e com afeto.

Instagram: adriansabiazoli

Email: biazoliadriana@gmail.com

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