Quando a arte é silenciada: o muro, os votos e os vazios que não se pintam

Jandira Cultura

Artigo opinativo 

Era um muro. Cinza. Como tantos outros que compõem a paisagem indiferente das cidades. Até que alguém — ou alguns — decidiram que ele poderia ser mais. Poderia, quem sabe, contar uma história, traduzir afetos, convidar sorrisos, combinar com a alegria dos pets, ser extensão da praça, da vida, da cidade.

E foi. Por alguns dias, aquele muro ganhou cor, expressão e propósito. Um artista, sob o sol de abril, se pôs ali com tinta, criatividade e coração. A intenção? Doar beleza, valorizar o entorno, transformar o concreto em afeto.

Mas o tempo da arte foi breve.

A pintura foi apagada após votação entre os moradores de um Condomínio em Jandira. Dos 145 votantes, 50 disseram “sim” à permanência da arte. Cinquenta pessoas — cinquenta famílias — votaram por manter o colorido que, mesmo sem autorização formal, nasceu do desejo de construir algo bom. Outras 95 disseram “não”. E o muro voltou a ser o que era: cinza. De novo. Silenciado.

Não cabe aqui desrespeitar a vontade da maioria. A democracia, ainda que dolorosa em suas decisões, precisa ser respeitada. Mas cabe, sim, refletir.

Quem perde quando a arte é removida?

Talvez quem mais perde seja a própria cidade, que por instantes ousou respirar um pouco mais leve. Perdem os olhos das crianças que ali brincam, os tutores dos pets que ganhariam um espaço mais vivo, e o artista — Danilo SC Arteque dedicou horas de trabalho à criação.

Me pergunto: se a arte foi apagada em menos tempo do que levou para ser criada, teria ao menos existido espaço para o diálogo? Se ela tivesse sido apresentada como proposta e não como infração, poderia ter sido acolhida?

A indignação dos artistas não é sobre a rejeição em si, mas sobre a ausência de conversa. Uma parede pintada sem autorização pode ser, sim, um erro de procedimento. Mas apagar uma expressão artística sem um gesto de escuta — isso é um erro de sensibilidade.

As cidades não se constroem apenas com cimento e cercas. Constroem-se com símbolos, afetos e cultura.

A arte urbana, embora muitas vezes informal, é legítima. Ela pulsa a identidade do povo. voz a quem nem sempre é ouvido.

Fico com a imagem dos pets sorrindo em traços vivos e coloridos. A pintura foi apagada, mas as fotos permanecem. E por mais cinza que esteja o muro agora, ninguém poderá apagar o sentimento do artista ao ver sua obra ser tão rapidamente removida. A arte urbana, por sua natureza efêmera, se despede aos poucos, conforme o tempo a desgasta. Mas neste caso, ela foi interrompida — não pelo tempo, mas por um “não”.

Aos 50 que disseram “sim”, fica meu respeito. Talvez vocês tenham enxergado ali mais do que um desenho. Talvez tenham entendido que a cidade pode — e deve — ter espaços de poesia.

Aos 95 que disseram “não”, fica o convite à escuta. A escuta da intenção, da história, da possibilidade.

E ao artista, fica a gratidão. Por ter tentado. Por ter acreditado. Por ter colorido, mesmo que por pouco tempo, um pedaço do mundo com o melhor de si.

Nem todo muro é barreira. Alguns querem ser pontes. E toda ponte precisa de dois lados dispostos a se encontrar no meio.

Sobre autora

Adriana Biazoli

Adriana Biazoli é jornalista, escritora, contadora de histórias e apaixonada pela arte de comunicar. Já atuou como radialista, apresentadora de TV e mestra de cerimônias, mas é entre crianças, festas e histórias que encontra sua verdadeira paixão. Com olhar sensível e escuta atenta, transforma encontros do cotidiano em narrativas que tocam o coração. Seu propósito é ensinar pessoas a se comunicar bem — com palavras, com presença e com afeto.

Instagram: @adriansabiazoli
Email: biazoliadriana@gmail.com

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