Artigo
A cada dia que passa, torna-se corriqueiro abrir o jornal, acessar canais na web e deparar-se com vítimas do silêncio. Mesmo aquelas que colocam suas vidas nas mãos da justiça, amparadas pela Lei Maria da Penha e por medidas protetivas, têm suas trajetórias interrompidas. Quase ninguém se lembra de seus rostos e nomes, exceto familiares e amigos mais próximos. A vida segue, também para os omissos, para os algozes e para a segurança pública que não conseguiu proteger essas mulheres.
No Brasil, os números de feminicídios são alarmantes. De acordo com dados do Laboratório de Estudos de Feminicídio (LESFEM) da Universidade Estadual de Londrina, foram registrados 750 feminicídios consumados e 1.693 casos de feminicídios consumados e tentados até o momento em 2024. São Paulo lidera com um aumento significativo de 101 casos em 2023 para 132 em 2024.
Em março, mês dedicado às mulheres, discursos de destaque ecoam nas tribunas de câmaras e assembleias. Números e estatísticas são divulgados, nomes são lembrados, mas o que realmente é feito? Anseia-se que nenhuma mulher morra por omissão, por uma denúncia ignorada ao 190, ou pelo medo de alguém “não querer se meter”. As vítimas desse silêncio imposto pelo medo do julgamento, por darem mais uma chance ao agressor, por não quererem que os filhos fiquem longe do genitor ou por dependência financeira de seu carrasco, continuam a sofrer.
O Luto das Famílias:
O luto das famílias é profundo e duradouro. Mães, pais, filhos e amigos são deixados para trás, carregando a dor da perda e a luta por justiça. A sociedade não pode normalizar a violência contra a mulher, nem excluir as vítimas de nossas vidas. É essencial lembrar que cada número representa uma vida interrompida, uma família destruída e um futuro perdido.
Para combater o feminicídio, é fundamental aprender com experiências bem-sucedidas de outras regiões:
Convenção de Istambul:
Este tratado internacional do Conselho da Europa visa prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica. Estabelece padrões jurídicos para proteger as vítimas e punir os agressores, servindo como referência global no enfrentamento ao feminicídio.
Articulação Nacional pelo Feminicídio Zero:
No Brasil, iniciativas como a Articulação Nacional pelo Feminicídio Zero buscam mobilizar diversos setores da sociedade para erradicar os feminicídios através da prevenção de todas as formas de violência de gênero.
Investimento em Políticas Públicas:
Especialistas destacam a necessidade de aumentar os recursos destinados às políticas de combate à violência contra a mulher. Sem financiamento adequado, as leis existentes não alcançam sua plena eficácia.
Educação e Conscientização:
Implementar programas educacionais que promovam a igualdade de gênero desde cedo é essencial. A conscientização da sociedade sobre a gravidade do feminicídio e a importância de denunciar casos de violência pode salvar vidas.
O combate ao feminicídio exige um esforço conjunto da sociedade, governos e organizações internacionais. Aprender com soluções eficazes implementadas em outras localidades e adaptá-las à realidade brasileira é um passo crucial para garantir que mulheres fortes sejam lembradas e jamais esquecidas.
Ações Implementadas nos Últimos Dois Anos no Combate à Violência contra a Mulher no Brasil
Nos anos de 2023 e 2024, o Brasil adotou diversas medidas significativas para enfrentar a violência contra a mulher, visando fortalecer políticas públicas e ampliar a rede de proteção às vítimas.
Aumento de Investimentos:
Em julho de 2023, o Ministério da Justiça e Segurança Pública anunciou a ampliação dos recursos destinados ao combate à violência contra a mulher. Uma portaria elevou de 5% para 10% o percentual do Fundo Nacional de Segurança Pública reservado para essa finalidade, totalizando aproximadamente R$ 250 milhões destinados especificamente a políticas de proteção às mulheres.
Plano de Ações da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher:
Em outubro de 2023, a Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher aprovou um plano com 14 ações para os anos de 2023 e 2024. Entre as iniciativas previstas, destacam-se a realização de audiências públicas e a abertura de Procuradorias da Mulher nas unidades da Federação que ainda não possuíam essa estrutura, visando ampliar a representatividade e o suporte às mulheres em situação de vulnerabilidade.
Programa “Mulher, Viver sem Violência”:
O governo federal lançou, em março de 2024, o plano de prevenção e combate à violência contra a mulher, com o objetivo de prevenir mortes violentas por questões de gênero e garantir os direitos e o acesso à justiça para todas as mulheres em situação de violência. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, enfatizou a necessidade de abordar o impacto do racismo nas políticas públicas, destacando que “a eliminação do feminicídio deve ser para toda a população, assim como a reversão de todas as formas de violência contra mulheres e meninas no país”.
Campanha “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas”:
Entre 20 de novembro e 10 de dezembro de 2023, a ONU Brasil promoveu a edição anual da campanha “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas”. A iniciativa destacou a necessidade de investimentos mais sustentáveis para prevenir a violência de gênero e mobilizou diversos setores da sociedade em torno da causa.
Essas ações conjuntas contribuíram para uma redução nos casos de feminicídio no país. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), até outubro de 2024, os estados e o Distrito Federal registraram 1.128 mortes por feminicídio, representando uma redução de 5% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Essas iniciativas refletem o compromisso contínuo do Brasil em aprimorar as políticas de proteção às mulheres e enfrentar de maneira eficaz a violência de gênero.