Artigo Opinativo
Morador de Carapicuíba, o jovem ganhou notoriedade nas redes ao publicar vídeos polêmicos de pregações…
A história do jovem Miguel Oliveira, de apenas 15 anos, que se apresentou como pastor, afirmando curar doenças como câncer, falar em línguas “estranhas” e até pedir doações em dinheiro durante cultos, não é apenas um episódio polêmico. É um alerta.
Entre vídeos rasgando exames médicos, pedidos de Pix e gritos emocionados em púlpitos lotados, o que se viu foi a viralização de uma imagem caricata da fé — transformada em entretenimento e rentável espetáculo digital. Mas, no centro dessa tempestade de memes, críticas e ameaças, há um adolescente. Um jovem ainda em formação, que talvez esteja mais exposto do que qualquer outro personagem dessa história.
A decisão do Conselho Tutelar, em conjunto com a liderança da Assembleia de Deus Avivamento Profético, de proibir o jovem de realizar pregações por tempo indeterminado, pode parecer, à primeira vista, uma punição. Mas talvez seja, na realidade, a primeira forma concreta de proteção oferecida a esse menino — não só contra as ameaças, mas contra os danos irreversíveis de um crescimento conduzido por holofotes, e não por orientação sólida e amorosa.
É impossível dissociar este caso do fenômeno da espetacularização da fé nas redes sociais. Em vez de ambientes seguros e formativos, onde jovens podem aprender a desenvolver sua espiritualidade com responsabilidade, temos templos convertidos em palcos e públicos sedentos por performances milagrosas — ainda que frágeis em sua autenticidade. A internet amplifica tudo: as falas, os aplausos, os pedidos de dinheiro… e, principalmente, as consequências.
Miguel é, sim, responsável por suas falas, como qualquer um que ocupa o microfone. Mas ele é também, e principalmente, uma vítima. Vítima de um sistema que, por vaidade ou ingenuidade, o colocou à frente de uma missão que exige maturidade, equilíbrio emocional e, acima de tudo, discernimento — qualidades que raramente estão completamente formadas na adolescência.
Ao permitir que crianças ocupem posições de liderança espiritual sem acompanhamento sério, estamos não apenas violando princípios éticos e legais, mas deixando brechas para distorções perigosas. Distorções que expõem o adolescente à exploração, ao ódio virtual e ao risco de internalizar uma identidade forjada na expectativa alheia, e não em sua real vocação.
A fé é uma força poderosa, capaz de transformar vidas, curar feridas e mover montanhas. Mas quando usada sem responsabilidade, pode também se tornar instrumento de manipulação, descrédito e sofrimento. O caso de Miguel nos convida a refletir: até onde vai a nossa responsabilidade como sociedade? Como líderes religiosos estão formando seus jovens? E onde, afinal, está o limite entre vocação e espetáculo?
Talvez, mais do que pedir orações por esse menino, seja hora de orarmos por nós mesmos — por uma geração de adultos que precisa reaprender a cuidar, orientar e proteger, antes de lançar uma criança ao fogo cruzado da fé midiática.
Sobre a Autora

Adriana Biazoli é jornalista, escritora . Atua como colunista com foco em temas humanos, culturais e sociais. Fala sobre esperança com a força das palavras, inspirando pessoas de todas as idades.
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