Um Retrato da Periferia, Memórias em Construção

Acontece Cultura

Na Dolores Paschoalin, onde as ruas são estreitas, mas os sonhos sempre encontram espaço, as crianças reinventam a brincadeira. São filhos dos filhos daqueles que um dia levantaram paredes com as próprias mãos e que, com a mesma teimosia, hoje transformam calçadas em reinos de fantasia.

Este é um pedaço da periferia de São Paulo, um município pequeno, com menos de 17 quilômetros quadrados, onde a vida pulsa em meio a desafios. Uma terra de baixa arrecadação, muitos bairros e infinitas histórias. As casas se apertam, ocupando cada palmo de chão, enquanto algumas indústrias soltam fumaça no horizonte. Não há shopping center por aqui, e o McDonald’s é recém-chegado,  um luxo tardio em terras de gente humilde, de mãos calejadas e sonhos persistentes.

Aqui, muitos carregaram areia e pedra nas costas, em dias em que nem caminhão passava. À noite, o corpo doía tanto que o sono fugia… mas os sonhos, esses nunca desistiram. No dia seguinte, a lida recomeçava, porque quem carrega o peso da vida sabe que os ombros que doem também sustentam.

As músicas se misturam no ar, cada uma com seu ritmo, criando uma trilha sonora que é só daqui. Esta é a periferia: um lugar de vozes que se cruzam, de vidas que se entrelaçam.

Antes das paredes e dos muros, havia uma chácara. Antes das ruas de terra batida, uma menina corria entre árvores simples, explorando uma natureza singela. Hoje, ela olha pela janela e vê uma nova paisagem: concreto onde antes havia flores. Já é avó, e a beleza de outrora mora agora na memória – como um verso de poema que o tempo não apaga.

Aqui, a vida pulsa em cores tímidas: o verde que brota dos vasos nas sacadas e beirais, o cacto que insiste em alcançar o céu. Os pássaros cantam de suas gaiolas, e o vermelho das pipas desafia o cinza do céu e a trama de fios de internet e eletricidade.

As casas continuam coladas, sim. Mas é nas frestas entre um muro e outro, nas conversas que saltam de janela em janela, que as histórias do cotidiano ganham vida, compartilhadas por gente simples e de valor.

É o saudosismo de quem se tornou avó, doces lembranças da infância na chácara, e a certeza de que hoje as crianças estão escrevendo novas histórias. Aqui, um “dá licença pro carro passar” vira parte da brincadeira, e não seu fim.

Quando a noite cai e as luzes se acendem, o bairro inteiro vira um palco:

  • O funk que ecoa das janelas
  • O cheiro de jantar que se espalha no ar
  • As risadas que insistem em durar mais que o cansaço

Este lugar foi construído com resistência, mas é sustentado pela alegria. E se antes tínhamos árvores, hoje temos crianças – que, como as melhores sementes, sabem crescer até nos lugares mais improváveis.

O Dolores Paschoalin lembra, todos os dias: nenhum asfalto é forte o bastante para calar a vida quando ela decide florescer.

SOBRE A AUTORA 

Adriana Biazoli

Adriana Biazoli é jornalista, escritora, contadora de histórias e apaixonada pela arte de comunicar. Já atuou como radialista, apresentadora de TV e mestra de cerimônias, mas é entre crianças, festas e histórias que encontra sua verdadeira paixão. Com olhar sensível e escuta atenta, transforma encontros do cotidiano em narrativas que tocam o coração. Seu propósito é ensinar pessoas a se comunicar bem , com palavras, com presença e com afeto.
Instagram: @adriansabiazoli
Email: biazoliadriana@gmail.com

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