
Dados divulgados em outubro de 2010 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que integram o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, revelaram que ao menos 648 mulheres foram assassinadas no Brasil por motivação relacionada a gênero no primeiro semestre de 2020. O índice representa um aumento de 1,9% em relação ao mesmo período do ano passado.
A vulnerabilidade social agravada pela pandemia trouxe mais desemprego, o que contribui para a situação da mulher ficar cada vez pior. Esse fato remete a um episódio que ocorreu no município de Osasco, em fevereiro de 2014, e repercutiu no noticiário do Brasil inteiro. Adriano, vizinho do agressor, morava no apartamento ao lado onde vivia Edemir Mattos. Ele relatou os momentos de pânico e negociação com o homem antes que ele se atirasse do 13º andar com o filho de seis anos no colo. O fato ocorreu após brigar com a esposa e agredi-la brutalmente. Edemir subiu na sacada do apartamento e ficou sentado por alguns instantes; o vizinho ainda tentou fazer com que o homem mudasse de ideia, mas foi ignorado. No relato, Adriano disse que o menino de seis anos implorou pela vida.
Ela, por inúmeras vezes, foi agredida e, para poupar o filho dos horrores da violência, se fechava no quarto para apanhar do marido e não emitia um único som de dor. Quantas mulheres não sofrem caladas em torturas diárias? O primeiro tapa, a primeira agressão moral, acontecem de maneira sutil. O deslumbramento e a paixão do início da relação não permitem que a mulher perceba esses abusos.
O problema é abordado em diversas plataformas de comunicação. Psicanalistas afirmam que a instabilidade emocional, o isolamento do mundo exterior, a falta de produtividade no ambiente profissional e o distanciamento de familiares e amigos são alguns dos sinais apresentados por mulheres que sofrem violência doméstica. Com o distanciamento social, torna-se difícil detectar esses sinais. Muitas vezes, por vergonha, a vítima omite do resto da família as agressões sofridas.
O debate sobre os danos psicológicos causados em mulheres vítimas de violência vem à tona em uma discussão atual e permanente sobre os caminhos para buscar ajuda e também a participação de cada um de nós para denunciar agressões. Mas, efetivamente, como essa mulher irá sair dessa situação de dependência financeira se políticas públicas não forem adotadas a fim de ampará-la, sem contar o estrago emocional causado também aos filhos?
Como argumentar com o egoísmo ou a mente doente de um ser como esse? Principalmente no momento em que estamos vivendo: há quase um ano em confinamento, o agressor vê a mulher como um objeto e acredita que, tendo posse desse “objeto”, pode fazer o que lhe vier à cabeça.
Quantos de nós não criticaram ou julgaram essa mulher por estar e permanecer em tal situação? Não é tão simples assim. Um turbilhão de sentimentos e incertezas torturam a vida da mulher agredida e, mesmo que ela compreenda que tal atitude não chega nem perto da palavra “AMOR” – porque o amor verdadeiro não machuca, não fere –, mesmo que entenda que não há pureza na agressividade e na tortura psicológica, sem saída, tudo que lhe resta é aceitar os dezenas de pedidos de perdão após cada agressão e a promessa de que o fato não irá se repetir.
Mulheres morrem todos os dias vítimas de agressão, ficam inválidas, desfiguradas de corpo e alma. Estão aí os noticiários diários das tragédias. Há uma certa banalização de tudo isso; medidas protetivas e denúncias não têm conseguido impedir tantas mortes. As manchetes de hoje dão lugar a outras amanhã.
Penso nas vítimas do silêncio, que, caladas, sofrem por vergonha, medo ou por acharem que esse ser que lhes jurou amor eterno um dia poderá mudar.
A mãe que teve o rosto desfigurado antes de ver o marido pular do 13º andar com o filho de seis anos no colo, de ter ouvido o filho implorar para o genitor não fazer tal atrocidade, nunca mais irá esquecer essa cena. A morte, para ela, veio de forma distinta, mas, ainda assim, veio.
Sobre a autora
Adriana Biazoli é jornalista, escritora e narradora de histórias. Comunicativa por natureza, dedica-se a ensinar o poder da boa comunicação, conectando pessoas por meio da palavra e da emoção.
Instagram: @adrianabiazoli
Email:biazoliadriana@gmail.com
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Por: Adriana Biazoli
Imagem de Reprodução