Editorial – Morrer por um desafio: a urgência de regulamentar o mundo digital

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Duas meninas. Duas infâncias interrompidas. Duas famílias devastadas. Em menos de uma semana, o Brasil assistiu, estarrecido, à morte de Sara Raíssa Pereira de Castro, de 8 anos, no Distrito Federal, e Brenda Sophia Melo de Santana, de 11, em Pernambuco. Ambas vítimas de um chamado “desafio do desodorante”, divulgado e replicado em redes sociais, especialmente no TikTok.

Sara foi encontrada desacordada pelo avô em casa, após inalar o gás de um desodorante aerossol. Brenda sofreu uma parada cardiorrespiratória em circunstâncias semelhantes. Os casos estão sob investigação, classificados como “morte a esclarecer”, mas a tragédia, por si só, já aponta para um diagnóstico social inegável: as redes digitais, quando não reguladas, tornam-se palco para a propagação de conteúdos letais — muitas vezes invisíveis aos olhos dos pais, das autoridades e até das próprias plataformas.

Não se trata de um caso isolado, nem de uma fatalidade inevitável. Trata-se de uma consequência. O ambiente digital se transformou em uma arena de influência, onde algoritmos recompensam aquilo que viraliza — sem filtros, sem ética, sem limite. As crianças, curiosas e vulneráveis, tornam-se alvos fáceis de modismos perigosos, embalados por um discurso de popularidade e pertencimento.

As plataformas digitais têm se esquivado sistematicamente da responsabilidade sobre o que nelas circula. Alegam liberdade de expressão, dificuldade de moderação ou, pior, terceirizam o cuidado para os responsáveis legais das vítimas. Mas estamos falando de corporações multimilionárias, com capacidade tecnológica suficiente para mapear e deletar conteúdos nocivos em tempo real — se assim o quisessem.

É chegada a hora de uma regulamentação firme, clara e urgente do ecossistema digital. Não para cercear o debate, mas para proteger vidas. Especialmente as vidas mais frágeis, como as de Sara e Brenda. A omissão das plataformas precisa ter consequências. E o Estado brasileiro precisa agir com a mesma rapidez com que um vídeo viral se espalha.

Este editorial é um chamado à sociedade civil, às autoridades públicas e às próprias empresas de tecnologia: não podemos mais naturalizar a morte de crianças como efeito colateral da era digital. O mundo online não é um espaço apartado da vida real — é parte dela. E nele, também, é preciso haver regras, ética e cuidado.

Porque nenhuma curtida vale uma vida.

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