José Tarcísio Santos Rosa, um guardião da cultura popular

Cultura

“A cultura é uma casa grande, cabe todo mundo,” ele gosta de dizer, e quem o conhece sabe que suas ações são fiéis a essas palavras.

Vamos juntos, você leitor e eu viajar nas asas do tempo, percorrer as ruas do passado, lá nas Minas Gerais, no lombo do Boi Barrancas, vamos conhecer só um cadinho deste guardião da cultura, um homem cuja essência é o próprio pulsar da cultura popular.

Tarcisio Santos Rosa, em cada gesto, há uma busca por preservar, com respeito e afeto, o saber das ruas e das praças, dos velhos e das crianças, como se a própria cultura fosse uma chama viva que precisa ser aquecida e compartilhada. Ele não se limita a valorizar o palco ou os holofotes, mas sim as histórias que nascem das mãos calejadas, dos sorrisos tímidos e dos olhares curiosos de quem, na simplicidade, carrega um mundo de sabedoria.

José Tarcísio Santos Rosa, nascido há 61 anos no coração do Vale do São Francisco, é mais que um produtor cultural. É um poeta das tradições, alguém que vê nas danças e cantigas do sertão não apenas arte, mas uma forma de acolhimento, um convite a quem deseja reencontrar suas raízes. O filho de Maria de Lourdes Santos Rosa e Rodrigues Pereira Rosa cresceu na simplicidade do interior mineiro, banhado pelas águas do Rio São Francisco e pela memória de antigas histórias, entoadas ao som de tambores e violas, onde descobriu, ainda menino, o poder de unir pessoas através da cultura.

Desde cedo, a cultura foi seu chão e sua bússola. Nos ritos da infância – nos jogos de bola, nas brincadeiras de rua e nos ensaios de fanfarra da escola – Tarcísio já sentia que havia algo mágico em compartilhar uma melodia ou um gesto de dança. Aos 12 anos, tocava seu primeiro instrumento, aprendendo não só as notas, mas o sentido de cada som. Ele absorvia as tradições com uma sede quase mística, e foi crescendo como guardião da Folia de Reis e do Boi de Reis, tão comuns nas festas de sua cidade. Com as bênçãos da avó materna, indígena, e do pai, de raízes quilombolas, ele aprendeu que valorizar a cultura popular é, antes de tudo, valorizar o povo.

Fatos que ficaram marcados em sua memória desde muito cedo, Tarcísio experimentou o poder do serviço e da generosidade na casa paroquial, onde sua avó era cozinheira. Nos domingos, ele ajudava nas missas como coroinha e, após os serviços religiosos, se juntava à distribuição de alimentos, roupas e pães para os mais carentes. Era uma rotina simples, mas cheia de significado, que o ensinou a ver a dignidade e o valor de cada pessoa. E quando a tarde caía, ele aproveitava cada minuto disponível para limpar o quintal e aguar as plantas, recebendo pequenas gorjetas dos padres pelo trabalho realizado. As horas que sobravam ele corria para vender picolés no porto de travessia da balsa, na sorveteria do senhor Helvécio. Esses momentos despertaram nele um olhar atento às necessidades do outro e a certeza de que cada ato de generosidade tem seu impacto.

Sua juventude foi de estudo autodidata e de abraços à vida simples e às sabedorias da terra. Aos poucos, o garoto mineiro foi descobrindo que o amor pela cultura é um caminho que vai se desdobrando: ora como músico, ora como líder comunitário, ora como benzedor, prática que herdou de sua avó e hoje oferece aos que buscam conforto e alívio. Ao longo da vida, Tarcísio abraçou uma vasta gama de ocupações – de mecânico a segurança bancário, de assessor legislativo a gestor cultural – mas, em todas, o seu coração se manteve na missão de fazer da cultura popular um laço entre as pessoas.

Quando Tarcísio chegou a Jandira, em 1986, trouxe na bagagem não só suas origens, mas também o sonho de ver sua comunidade florescer ao som do Boi de Reis e das cantigas do Boi Barrancas. Ali, ele plantou novas sementes, e criou espaços onde todos – crianças, jovens, adultos e idosos – podem encontrar o seu lugar, sem distinção. Com uma paciência rara e um espírito acolhedor, ele abre seus braços para cada pessoa que se aproxima.

“A cultura é uma casa grande, cabe todo mundo,” ele gosta de dizer, e quem o conhece sabe que suas ações são fiéis a essas palavras.

Na Secretaria de Cultura, desta cidade favo de mel, o sonhador deixou sua marca, passou madrugadas a fio a costurar as cortinas do teatro Municipal Luiz Gonzaga, o guardião cultural, via as paredes em torno de si como lar, o coração batia no ritmo quase que perfeito, ele era parte de um espetáculo sem fim..

Até que um dia, o fim chegou, o coração quase parou de bater, a dor foi tão grande que a depressão calou sua voz, apagou seu  sorriso e entristeceu os seus olhos, três longos meses de escuridão, seus olhos só tornaram a brilhar, com os projetos culturais e o amor da dedicada esposa Minervina, dos filhos Rafael, Weldel, das filhas Fabiola e Ramone e dos netos, a família deste apaixonado pela cultura é muito maior do que ele possa imaginar.

Seu projeto Boi de Oz, que está levando o Boi de Reis para a cidade de Osasco, é mais uma prova de seu desejo de espalhar a força da cultura popular. Ele vê neste trabalho um legado, algo que precisa ser cuidado e levado adiante, não apenas para preservar as tradições, mas para dar a elas novos significados. Os filhos, netos e sobrinhos seguem os seus passos, e ele os guia com a mesma delicadeza e entusiasmo com que aprendeu com os mestres da infância.

Com uma trajetória marcada pela generosidade, Tarcisio transforma seus projetos em portos seguros onde todos podem atracar, independentemente de idade, origem ou condição. Seu espaço é de acolhimento, onde ninguém é pequeno demais para ser ouvido, nem grande demais para não aprender. Ele reconhece a importância de cada voz e vê na diversidade a riqueza de um país que respira a cultura em cada esquina.

Seu trabalho é especialmente voltado aos humildes, àqueles que, em outros contextos, talvez passassem despercebidos. Em seus projetos, o palco não é privilégio, mas um direito. São jovens em situação de vulnerabilidade, crianças curiosas e idosos que, muitas vezes, não têm voz nas narrativas oficiais, mas encontram em Tarcísio e em suas tradições um espaço para brilhar e contar suas próprias histórias. Nos ensaios e nas festas juninas que organiza, ele é o anfitrião que valoriza cada presença, cada olhar, cada sorriso.

José Tarcísio Santos Rosa é, sem dúvida, um exemplo de dedicação, mas é mais do que isso. É um homem que, ao tocar uma melodia ou ensinar um passo de dança, revela ao outro um mundo de pertencimento. Ele é a ponte que liga gerações, uma presença que nos ensina que a cultura popular é o coração pulsante de um povo e que, quando compartilhada, se torna eterna. Seu sonho é ver as futuras gerações descobrirem na simplicidade e nas tradições o mesmo sentido de lar que ele encontrou, o mesmo abrigo onde todos – de todas as idades, de todas as origens – possam encontrar um lugar para chamar de seu.

Texto: Adriana Biazoli

Fotos capa: Acervo Pessoal

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